O que Pokémon nos ensina sobre mitologia e cultura?
Hoje iremos falar sobre o ovacionado universo de Pokémon, que se estende muito além das planícies dos animes e das montanhas dos mangás. Inclusive a pouco tempo, foi considerada a maior franquia do mundo, superando nomes de peso como Star Wars e Marvel. Esse sucesso estrondoso se deve a abrangência de mercado o qual essa marca investe. Jogos eletrônicos, filmes, card games, linha de brinquedos, animes para televisão. Praticamente todo ano no Japão a uma expectativa enorme de uma nova temporada, ou lançamento de filmes no cinema, com novos Pokémon apresentados (que deve deixar a equipe de Design loucos com tanto trabalho). Mas quais os fatores, além do Marketing e jogos atrativos, que tornam essa franquia tão amada? E para além do gostar, será que podemos aprender algo sobre a mente humana com esses monstrinhos japoneses? Nos acompanhe nessa jornada em busca de questionamentos.
De todos os elementos presentes na série, dois são os principais que se destaca, a questão mitológica dos Pokémons e o destaque para Geografia constantemente explorada. Antes de tudo vamos destacar separadamente cada ponto.
POKÉDEX GEOGRÁFICO
Como muitos já devem ter percebido, a questão geográfica na série é de suma importância, pois determina não só as características dos Pokémons como também da comunidade humana que os envolve. É ponto marcante a pluralidade cultural nesse universo. Me parece que um dos objetivos da série é a exploração, de locais, culturas, pessoas e claro os Pokémons, que nesse caso representam através de um universo imaginário, aquilo que para nós seriam os animais. A Fauna e Flora, as características dos terrenos, da culinária, das vestimentas, tudo ricamente detalhado, para que possamos sentir junto ao personagem principal, a sensação de exploração, de descoberta de novos horizontes, culturas e locais, nos instigando sempre ao novo, ao desconhecido. Nesse aspecto Pokémon me parece uma leitura atual e mais fictícia do clássico: As aventuras de TinTim, escrita e desenhada pelo célebre Georges Prosper Remi (Hergé) no ano de 1929. Embora com enredos e contextos diferentes, as séries possuem a mesma premissa, a exploração dos quatro cantos do mundo, onde o personagem principal, vive diversas aventuras em diferentes locais, trazendo para o campo visual essa riqueza cultural. Talvez a principal diferença das franquias resida no fator temporal, onde na época o qual TinTim foi escrito, o mundo ainda era um local cheio de mistérios a serem explorados. Muitos costumes, folclores, culinárias, hábitos, intercâmbio entre povos, troca de informação e o interesse por outras culturas, como um campo de estudo estava emergindo. Grandes sociólogos, biólogos, físicos e psicólogos despontam desse período. Embora esse interesse sempre tenha existido, a velocidade com o qual essas informações eram transmitidas foi se modificando com o tempo. Devemos lembrar que os meios de informação desse período eram mais escassos e lentos que os atuais. Era necessário viajar para um local, passar um tempo com seus nativos, registrar através de escritos e cartas aquilo que foi visto e guardar cada detalhe em sua memória, e em alguns casos, levar fotografias em preto e branco como recordação da aventura. Nada era tão simples como um pokédex cheio de informações. TinTim foi um marco de transição desse período, onde a fantasia se mistura com realidade os quadrinhos trazem para o campo visual o lúdico contato com o desconhecido. Coloco Pokémon como um segundo marco no campo do entretenimento, que se fez cumprir bem esse papel. Digo isso pela abrangência de gerações que a franquia atinge e o conceito de seus jogos e animes. Lembramos que uma das missões de Ash na primeira temporada da série é catalogar o máximo de Pokémons de conseguir em sua jornada, para pesquisa do professor Carvalho. O jogo Pokémon Snap, de Nintendo 64 tem um princípio semelhante, onde é necessário catalogar através de fotografias os monstrinhos que encontrar no caminho. O mais recente sucesso da franquia Pokémon GO! Não nos deixa mentir sobre esse foco na exploração e investigação.
O lúdico e fantasioso da série Pokémon pode ser explicado, tanto pelo fator evolucionário dos meios de informação e avanço tecnológico, que revolucionaram o modo como interagimos, logo a busca por um mundo “além”, que se materializa através do imaginário e virtual é cada dia mais palpável. Quanto por sua característica mitológica que explora o imaginário infantil através dos mitos e contos populares de diversas culturas. Portanto o criador pode ter pensado: como trazer o curioso e o novo, ao mundo do entretenimento? Criando monstros imaginários baseados em contextos e povos reais; é claro!
Obviamente essa especulação é só uma brincadeira, sabe-se que o criador da série Satoshi Tajiri teve sua inspiração baseada em seu passatempo de colecionar insetos quando criança, que o levou no início dos anos 90 a criar esses monstrinhos amados por todos. Percebe-se aqui a clara conexão, entre a alma da criança e sua curiosidade inata, que busca sempre conhecer e explorar.
Essa influência com base na realidade é acentuada nos mais diversos campos geográficos possíveis, que exploram desde o mar profundo, até ilhas vulcânicas e cavernas escondidas, onde habitam os mais diversos seres e monstros. Forças da natureza e elementos primordiais que envolvem a origens de povos e revelam toda uma mitologia própria de criação, inclusive mitologias baseadas em seres extraterrestres, na série todos são bem-vindos. Os Pokémons representam não somente realidades concretas como as forças da natureza, mas também a psíquica, paranormal e transcendental. E quando pensamos que não existem mais campos a explorar, nos enganamos. Cultura e costumes, devem ser vividos e sentidos, não é somente através do intelecto que se pode conseguir aferir a complexidade desses fatores. O que nos leva, a uma das partes mais importantes e presentes em todos os povos, a…
POKÉDEX MITOLÓGICO
Mitos são narrativas simbólicas imaginárias presente em todas as culturas. Nessas narrativas podemos encontrar parte do conhecimento de um povo, seu modo de pensar e costumes. Em tempos longínquos, transmitir uma lenda, contos e fábulas da mitologia era um modo de preservar todo conhecimento e identidade de uma comunidade. Embora claramente simbólico, as pessoas inseridas naquele contexto acreditavam fielmente na realidade das estórias, havia relação entre o místico e mundano, o homem e o transcendental. Portanto os Deuses embora “inexistentes” a realidade, tinha forte influência nas decisões, comportamentos e temperamentos das pessoas. Se faziam reais de forma invisível todavia presente. Quando por exemplo, uma seca tomava conta da região, esse acontecimento era compreendido como uma possível punição e insatisfação de algum Deus que representava a fertilidade, as chuvas ou a colheita. Era necessário então que a comunidade tomasse providências através de rituais e sacrifícios para agradar esses seres supremos. Ou quando alguém era tomado subitamente por um forte sentimento, se entendia que um espírito ou um Deus tinha lhe tomado, influenciado. Esses são apenas exemplos para representar como esses “seres” eram tão presentes na psique e cotidiano desses povos, quanto tecnologia e ciência são para nós.
E se há algo que Pokémon não carece é de Mitologia própria, praticamente toda temporada é apresentado algum Pokémon lendário ou Deus, que influencia lendas e contos do povoado local, sendo parte integrante da comunidade. Como Kyogre e Grounding que em sua batalha criaram diversas ilhas.
Percebemos então que são 4 os elementos principais que criam o universo da série:
Pokémons/ Comunidade – Tipo/ Espécie – Local geográfico – Mitologia
Todos esses elementos são interligados e interdependentes
A geografia, embora muitas vezes deixada de canto e desprezada como mero aspecto complementar, possui um papel de extrema importância no desenvolvimento do ser humano e sua comunidade. O tipo de local, terreno, clima, afeta não somente toda a estrutura lógica de subsistência, mas também o psicológico dos indivíduos. Joseph Campbell*, ilustre Mitólogo e estudioso da psique humana e sua relação com símbolos mitológicos, afirma que, certa vez lhe perguntaram qual fator mais relevante que determinada a criação de um mito? Como resposta ele citou que em seus estudos percebeu que a geografia local determinava alguns aspectos importantes de um mito. Povos que viviam em regiões como florestas, embora em locais distantes no mundo, tendiam a ter mitos e lendas semelhantes. O mesmo ocorre com povos que vivem em locais montanhosos, desérticos, próximos a margem de rios, fortalecendo a ideia da relação entre a geografia e a psique humana. A geografia, determina a dieta, os costumes, as ideias, sensações, e até fatores fisiológicos como: composição corporal, pressão arterial, batimentos cardíacos, cor da pele. Somos uma combinação de fatores internos e externos, não é à toa que os Chineses desenvolveram a milênios atrás a arte do Feng Shui, que busca o equilíbrio do ambiente, em busca do equilíbrio do indivíduo em todos os campos de sua vida: pessoal, profissional, amorosa, etc. Um exemplo recentemente descoberto através da genética é a tribo Bajau, que após anos se tornaram os primeiros humanos adaptados para aguentar grandes períodos sem respirar debaixo da água. Podemos imaginar a relação que esse povo tem com o mar, os seres de seu folclore, sua dieta, somente através dessa relação que se estendeu até os seus genes.

*Joseph Campbell: Mitologista e escritor americano, suas idéias serviram de inspiração para saga Star Wars.
Trecho do Livro o Poder do Mito:


Portanto há uma estreita relação entre o comportamento humano e o meio externo onde habita. Ao teorizar que a psique projeta seus conteúdos internos, em objetos externos, através de sejam pessoas, coisas, lugares, sensações, por que não seria diferente com as forças da natureza? Zeus o Deus do Trovão, Iemanjá Deusa dos mares, Pele Deusa do vulcão, os espíritos animais do Xamanismo, ou as forças da água, madeira, metal, terra, fogo do Taoísmo, os Tengus* que habitam as montanhas sagradas do Japão, elfos, fadas, faunos. Todo campo mitológico é fortemente atrelado ao habitat.
*Tengus: Criaturas do folclore japonês, tem como característica nariz comprido e pontudo.
Pokémon é primoroso em reproduzir todos esses aspectos, cada Pokémon raro ou Deus, representa senão, essas forças da psique que são projetadas através de seres místicos e Deuses. A franquia nos leva a uma exploração de todos os aspectos que formam uma cultura, e para além dela, uma biodiversidade local.
Repare em todo contexto de Pokémon, as paisagens, cidades e cartografia. Cada região tem seu mapa, aspectos socioeconômicos com determinados festivais, crenças, mitologias. Há cidades comerciais, turísticas, residenciais, portuárias, como também florestas, cavernas, desertos, litorais e, principalmente, climas. Na escala da sociedade, é possível identificar classes e profissionais como: políticos, professores, policiais, pesquisadores, estudantes, vendedores, médicos, ladrões.
De todos os Animes e jogos, com certeza esse possui o maior número de locais, mapas e regiões, demonstrando a riqueza nos detalhes que compõe o ser humano. Portanto em campos geográficos Pokémon reina sobre os demais… por que em enredo, convenhamos, é tão complexo quanto qualquer outra aventura repetitiva. Salvo com exceção os filmes da franquia, em especial o mais recente Detetive Pikachu. Para finalizar, não posso deixar de mencionar e parabenizar o Ash, que ganhou sua primeira liga Pokémon após 22 anos, mostrando a todos que nunca é tarde, quando se é adolescente eternamente, é claro!
Espero que a leitura do artigo tenha sido agradável e tenha despertado a curiosidade inata que todos possuímos. Até a próxima, não deixe de comentar, divulgar, discordar, concordar, faça parte conosco dos artigos.
Curtir isso:
Curtir Carregando...
Relacionado