A febre dos dramas asiáticos

Como esse tipo de entretenimento se popularizou no Ocidente e ganhou maior visibilidade nos últimos anos

Love Rain Imagem/Divulgação

Não é recente o fascínio que a cultura asiática provoca no Ocidente. Seja por meio de animes, mangás, músicas ou outras formas de entretenimento. Dentro desse grande leque de opções de consumo de cultura pop, estão os ”doramas”, que são séries orientais – há quem chame de novela -, divididas de acordo com o país em que são produzidos. Há os K-Dramas (Coreano), J-Dramas (Japonês), os C-Dramas (Chinês), os Thai-Dramas (Tailandês), os Tw-Dramas (Taiwan).

A Coréia do sul não é  o único país do continente asiático a produzir esse tipo de conteúdo, mas seu sucesso influencia diretamente a visibilidade dos produtos de entretenimento oriental de outros países como Japão e China, e o carro chefe são os doramas (que também podem ser chamados de ‘’dramas’’) produzidos nesses países. Às vezes,  um dorama faz mais sucesso fora do país onde foi produzido. Por exemplo, o drama sul-coreano ‘’Love Rain’’, exibido pelo KBS em 2012 com 20 episódios. A história é dividida em duas partes, uma nos anos 1970 e a outra nos dias atuais, e fala sobre dois casais em situações distintas, mas com destinos interligados. Love Rain recebeu uma baixa audiência no mercado interno, com uma média de 5,1% em todo o país. Porém, devido ao atores principais Jang Geun Suk e Im Yoona, de todos os doramas coreanos vendidos no exterior em 2012,  “Love Rain” foi o mais caro vendido para o Japão antes mesmo de estrear na Coréia do Sul, chegando a custar 450 milhões de wones por episódio, algo equivalente a mais de 1  milhão e 600 mil reais. Foi exportado para mais de 12 países e gerou um lucro de 115 bilhões de wones em vendas no exterior, equivalente a mais de 418 milhões de reais.

Love Rain Imagem/Divulgação

Diferente do formato  das novelas brasileiras que costumam durar meses e ter centenas de capítulos, os dramas asiáticos tendem a ser mais curtos e têm aproximadamente entre 20 a 70 episódios, que são exibidos uma ou duas vezes por semana. Os temas são variados e vão desde ficção científica até aquele romance bem meloso e clichê, além dos dramas históricos com intrigas palacianas e também os dramas de investigação. Apesar de ainda não haver dados concretos que explique a popularidade desse tipo de entretenimento, acredita-se que o interesse acontece por dois motivos: a falta de representação asiática na mídia ocidental e os estereótipos criados por essa própria mídia, que retrata os asiáticos sempre de uma forma muito estereotipada. Para o historiador Alessandro Cestrone, a falta de uma representatividade  asiática dentro de um ambiente midiático se deve, principalmente, a uma questão de ‘ocidentalização’ da própria cultura asiática. “Podemos comprovar tal afirmação se verificarmos a representação  facial dos personagens de mangá e anime, em que o olho mais redondo, típico dos povos europeus, é mostrado, em vez dos olhos puxados característicos dos povos asiáticos. Portanto, existe uma crescente preocupação em divulgar um conteúdo midiático cultural que sirva de resistência contra um padrão ocidental”.

Segundo dados da revista Teen Vogue, apenas 1% dos papéis principais de Hollywood são representados por asiáticos. Em 2017, a Netflix lançou o live action do anime Death Note e houve muita polêmica sobre a escolha do elenco, que é totalmente americano, sendo o personagem principal (Light Yagami) sendo interpretado pelo ator Nat Wolff, conhecido pelos papéis em ‘’Cidades de papel’’ e ‘’A culpa é das estrelas’’. O ator Edward Zo, que tem descendência chinesa, foi rejeitado e isso gerou muita discussão sobre white washing, termo em inglês que significa  algo como ‘’lavagem branca’’, que consiste em mudar características étnicas e até mesmo a  própria etnia de personagens para se enquadrarem dentro de padrões etnocêntricos. Thatiana Victoria Dos Santos, Doutoranda de Filosofia pela UFRJ afirma que ‘’Talvez white washing não seja o termo mais correto – usualmente, isso no ocidente representa alterar a etnia de um ou outro personagem para torná-lo branco. O que a gente pode observar talvez seja racismo através de colorismo – quanto mais claro, mais belo. Personagens são apreciados pela sua pele clara, são elogiados, de modo explícito.  As mulheres, principalmente, devem sempre ser bem clarinhas. A verdade é que a Coréia, entre outras razões, consome o mercado norte americano demais, e criou como padrão de beleza a norte americana branca, magra, de olhos e pele clara. Eles repudiam as feições extremamente “coreanas” – parecer coreano é parecer feio, então traços étnicos como rostos arredondados, narinas horizontais, olhos pequenos e pele escura são considerados horrendos e associados à trabalho no campo.’’

Outro fator que chama muito atenção, é que os doramas, seguem muito o rastro da música, se beneficiando bastante do sucesso do K-Pop. ’’ Acredito que a maioria dos espectadores começam com curiosidade de assistir uma série/novela de seus ídolos de algum grupo musical. Em parte pela genuína curiosidade com o modo de vida coreano; por outro lado, encontrar narrativas que recuperam algo que hollywood perdeu ou não lhe interessa mais”, Doramas falam com um público muito, muito jovem: eles produzem tudo que esse público precisa para consumir. É a propaganda rápida; o rapaz belo, mas não extremamente sexual, quase vulnerável; o sonho de ascensão econômica; a narrativa de conto de fadas; as músicas chiclete. Tudo isso somado a estética “aegyo”(algo como ‘comportar-se de maneira graciosa’), que torna desejável a juventude e a inocência , enquanto o visual ocidental é mais sexualizado. Veja um ator como o Chris Hemsworth, que, usualmente, é enquadrado de uma forma muito sexual, mesmo em filmes.onde ele não aparece transando e compare com um ator como o  Kim  Taehyung do BTS em qualquer série ou filme, ele é enquadrado sempre como puro, inocente, quase feminino. Para uma moça mais jovem, é mais fácil ela se conectar com essa imagem do que com um macho alfa que oferece uma sexualidade muito brutal. Adolescentes normalmente procuram ídolos com uma sexualidade menos explícita, agressiva’’, ressalta Thatiana Dos Santos.

Kim Taehyung -BTS Imagem/Divulgação

O público que consome doramas varia desde adolescentes até mulheres na faixa dos 40 ou 50 anos de idade. A estudante de enfermagem Renata Siqueira se interessou por esse universo por intermédio do K-Pop:’’Eu estava começando a escutar esse estilo musical e vi que muitos dos artistas que eu ouvia eram atores também. Resolvi dar uma olhada e me apaixonei. ‘’ A representatividade feminina e temas relevantes que costumam ser debatidos nas novelas ocidentais são outro ponto importante, levando em conta que toda a construção estética e estrutural é diferente.” A estudante de Jornalismo Larissa Antunes conheceu esse universo em 2016, através de uma amiga e acredita que comparado com doramas mais antigos, ‘’as personagens de agora são mais empoderadas. Ainda mais numa cultura mais conservadora que a brasileira. Dessa forma desconstruindo aos poucos conceitos e, até mesmo, o machismo. ‘‘Age of Youth, por exemplo, eu acho incrível justamente por isso. Além de apresentar um elenco composto praticamente por mulheres, nele é abordado questões como relacionamento abusivo, abuso sexual , sexualidade e traumas.’’

Larissa Antunes Fonte: Acervo Pessoal

A estudante de Relações Internacionais Milena Barbalho, começou a assistir doramas porque sempre teve interesse na cultura asiática, especialmente a do sudeste asiático e afirma que sobre a falta de representatividade asiática: ‘’Existe uma escritora africana chamada Chimamanda que diz sobre o perigo da “história única”, que consiste justamente na construção de um estereótipo de certo povo. Ela argumenta que um dos principais culpados por isso é a mídia ocidental, já que ela é a maior influenciadora em todo mundo. Por isso, antes de eu conhecer esse estilo de audiovisual, eu tinha uma visão muito estereotipada do povo asiático, estava com a visão da “história única” que foi me mostrada desde sempre.’’

Milena Barbalho Foto: Acervo Pessoal

A página ‘’Uma dose de dorama’’ ( https://www.facebook.com/umadosededorama) é uma das maiores do Facebook, com mais de 171 mil curtidas, além de um grupo privado, uma conta no Twitter, Instagram e Youtube. Cristiane Costa, criadora de conteúdo, também faz parte do time de tradutores do site ‘’Kingdom Fansubs’’. Cristiane afirma que ‘’Quem acompanha dramas há mais tempo, ou até mesmo quem assistiu os dramas mais antigos, consegue ver a diferença do papel da protagonista feminina de antes para a atual. Antes, na maioria dos dramas que ficavam acessíveis aqui no Brasil, as protagonistas femininas eram apenas um apoio para o mocinho criar ocasiões para provar sua masculinidade. Agora temos dramas onde o foco total estão em uma ou mais protagonistas femininas, como é o caso de Age of Youth. Acredito que seja uma prova do que está acontecendo na Coréia. As mulheres estão finalmente conseguindo um espaço na sociedade conservadora coreana.’’

Age of Youth Fonte: Página ”Uma dose de dorama”

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