O CÍRCULO DE ERANOS

O movimento nada secreto de mentes dedicadas a explorar os fenômenos anímicos e simbólicos da humanidade

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Erich Neumann, Carl Gustav Jung e Mircea Eliade à mesa de Eranos em agosto de 1950.

Nossa história começa no século XX, ano de 1933, em uma casa à beira do lago Maggiore próximo a Ascona na Suíça, onde Olga Froebe-Kapteyn  organiza e promove a primeira “Tagungen” do Alemão, convenção, de Eranos.

Olga Froebe-Kapteyn (1881-1962)
Olga foi uma célebre teosofista, artista e estudiosa holandesa, fascinada pelo universo esotérico e espiritual. Entre os anos de 1928 a 1930, ainda sem uma ideia pré-formada, com orientações de Rudolf Otto (1869-1937) e Carl Gustav Jung (1875- 1971), decide realizar encontros em sua residência para discutir assuntos relacionados ao campo espiritual e religioso. Posteriormente os encontros assumiram maior escala e se tornaram ponte entre as concepções filosóficas e simbólicas do Oriente e Ocidente, reunindo profissionais e autores das diversas áreas do saber. Os encontros eram organizados por Olga, responsável pela programação e acomodação, ela selecionava e convocava os convidados por cartas formais para participação no evento. Sua intenção com essas conferências? reunir as mentes mais proeminentes de sua época para um diálogo de saberes. Com discorrer do tempo surge o nome que dá identidade aos encontros como um movimento, intitulado Eranos Kreis, o círculo de Eranos.O curioso nome foi sugestionado por Rudolf Otto, filósofo, teólogo, erudito em religiões comparadas. A palavra Eranos originária do Grego, tem como um dos seus significados a ideia de comida em comum, troca de alimentos sem a presença de um anfitrião. O nome de antemão foi mantido e integrado ao conceito de círculo que subentende uma igualdade entre as partes em torno de ideias em comum, exemplificando o espírito desses encontros.

O círculo que integra um seleto grupo de pensadores da época propõe um diálogo intercultural e interdisciplinar a partir de análises comparativas, que agregam valores imaginários, simbólicos, espirituais, anímicos e subjetivos do ser humano, na tentativa de uma contraposição ao espírito racional unilateral, que perdurava nesse período com a corrente positivista e o racionalismo cartesiano. Os encontros transcorriam em diálogos abertos, em um ambiente propício para insights, livre fluxo de ideias e inspirações, aos espíritos bem-aventurados, abertos a criatividade e o fantasioso. Um espaço espontâneo onde os participantes tivessem a liberdade para se expressar e conversar sobre suas teorias. Essa dinâmica interdisciplinar antecipou uma tendência que só ocorreria na segunda metade do século XX. E foi de suma relevância para o desenvolver de uma nova tipologia de estudo do homem, que leva em consideração os aspectos arcaicos e simbólicos.

Diversos são os autores, pesquisadores e estudiosos que já fizeram parte deste distinto grupo, nomes repetidos ad nauseam, que transformaram a concepção antropológica do ser humano. Podemos citar: Gilbert Durant, Joseph Campbell, Marie Louise Von Franz, Heinrich Zimmer, Roberto Assagioli, Eric Neumann, Mircea Eliade, James Hillman, Adolf Portman, Alice Bailey, Elémire Zolla, Rudolf Otto, Carl Gustav Jung.

Assagioli (terceiro a partir da esquerda) com Alice Bailey e Olga Fröbe-Kapteyn em Ascona na década de 1930.

Eranos como movimento, perpassou por diversas fases de investigação, em sua primazia indaga através de uma arquetipologia simbólica a cultura anímica do homem, onde a alma tem função intermediadora entre o corpo e espírito. Primeiramente as discussões e estudos tiveram como foco o processo de mitologia comparada, para investigação dos fenômenos.

A mitologia é um tema comum para compreensão do imaginário e psique humana, compreendida como manifestação simbólica da psique. Nesse, período os participantes se dedicaram a comparar as diferentes manifestações de mitos, do oriente e ocidente.

O circulo se encerra em 1988, no qual transcorreram três etapas de estudos: Mitologia comparada; Antropologia cultural; Hermenêutica simbólica. Destarte segundo o site oficial de Eranos, após esse período se estenderam mais quatro fases, sendo a última iniciada em 2010.

As idéias e compreensões que surgiram através desse modelo de “Brainstorm retrô”- que foi o movimento de Eranos – para o campo de estudos da psicologia humana e o simbólico, influenciaram diversos estudos ulteriores, que se preocuparam em investigar cientificamente os fenômenos da alma, através do diálogo interdisciplinar, multifacetado e descentralizado em contraposição a visão técnica científica, baseada em leis causais do universo.

Esse *Zeitgeist, que surgiu no século XX, acompanhado de outras concepções que valorizam o sútil, a intuição, empirismo, relacionamento com a natureza, a imaginação, movimentos como o romantismo, parecem ressurgir, ainda mais forte, como uma tendência atual.

* palavra de origem alemã, cujo significado literal seria “Espírito da Época”, utilizado para exemplificar a ideia de um conjunto de comportamentos idéias e tendências, que atingem determinada sociedade, em determinado momento.

Nessa perspectiva terapias com caráter denominado “holístico” emergem aos montes como alternativa que procuram resgatar, esse espírito anímico, a muito deixado de canto, do Homo Ludens e Homo Symbolicus. A exemplo de técnicas como Yoga, Mindfulness, Thetahealing, Barra acess, Constelação familiar, terapia Reiki, terapias naturais, alternativas a cada dia mais procuradas pelo público em geral.Esse resgate, como movimento, é reflexo em resposta a uma defasagem de sentido, ao qual nosso modelo social não abre espaço. A falta de conexão com o natural, com a família com as relações interpessoais, ao que Zygmunt Bauman nomeia de sociedade líquida, pela superficialidade e volatilidade das relações. Um modelo neoliberal com bases individualistas, onde os valores maiores se estendem ao ter, a posse, desvalorizando o ser em sua essência, na busca pela integração e evolução em todas as instâncias da vida, com o único objetivo de prazer individual.

”Vivemos em tempos líquidos, nada é para durar.”

Bauman Z.

A consequência dos valores adotados pelo modelo atual não poderiam demonstrar  dados estatísticos  diferentes, segundo a OMS na última década os quadros de suicídio e depressão relacionados a doenças mentais, cresceram exponencialmente, sendo a projeção que em 2020 a depressão será a enfermidade mais incapacitante do mundo.

Onde estamos errando? O que será que nos falta? Onde devemos buscar? Como podemos buscar? Talvez essas complexas perguntas obtenham respostas em conceitos fundamentalmente naturais a nossa espécie, um resgate profundo ao mundo objetivo de conexão “mística” com os fenômenos de nossa alma.

Finalizo com a seguinte reflexão de Carl Jung a respeito da psicologia do homem moderno:

“É no fascínio que o problema espiritual exerce sobre o homem moderno que está, em minha opinião, o ponto central do problema psíquico hoje. Por um lado trata-se de um fenômeno de decadência – se formos pessimistas. Mas por outro lado, trata-se de um germe promissor de transformação profunda – se formos otimistas. Em todo caso, trata-se de um fenômeno da maior importância que deve ser levado em conta justamente por encontrar suas raízes nas vastas camadas do povo. E é tão importante porque atinge, como prova a história, as incalculáveis forças instintivas irracionais da psique, que transformam inesperadamente e misteriosamente a vida e a cultura dos povos. No fundo, a fascinação da psique não é uma perversidade doentia, é uma atração tão poderosa que não pode ser detida, nem mesmo por algo repelente.”                                                                                                                                                    C.G JUNG

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERREIRA AC; SILVEIRA LHL. Do círculo de Eranos à construção do simbólico, em Carl Gustav Jung. Psicologia USP. 2015.
SCHABERT T. From Olga Foebre- Kapteyn to the Amici di Eranos: On the history of the Eranos-Tagungen at Ascona. Eranos.org
SCHABERT T. In the fading of divine voices: the song of Eranos. Eranos.org
JUNG CG. Civilização em transição. Ed. Vozes.2011

SITES

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