A ALMA FEMININA NOS MANGÁS

TALENTO E GLAMOUR NO MERCADO EDITORIAL JAPONÊS

Dentro dos aspectos peculiares e característicos dos quadrinhos japoneses,  o processo de criação de personagens se destaca. Os mangakás transmitem de forma original, natural e humana a Sui generis da mente em sua vasta complexidade e variabilidade. Nessa construção são enfatizados aspectos psicológicos e o aprofundamento nos dramas pessoais da vida. Por vezes são reservados capítulos inteiros para contar a história de um personagem, com a intenção de despertar no leitor o sentimento empático e a percepção de identificação com a figura.

Essa característica de enredo, é útil e estratégica ao mercado editorial japonês, que divide os diversos mangás por gêneros e faixas etárias, facilitando o reconhecimento do consumidor com o produto, que espelha parte de sua realidade e cotidiano.

Nas diversas categorias existentes temos algumas em específico que se dedicam a elaboração de tramas e personagens do universo feminino. Poucos são os mercados no mundo que voltaram tal seguimento a este público, o que demonstra que mesmo rodeado de dogmas e preconceitos, a atenção ao aspecto feminino nessa cultura é algo marcante, muito embora culturalmente o Japão seja um país com rituais rígidos em relação às mulheres.

Os mangás refletem essa caminhada pela quebra de paradigmas e conquistas da alma feminina no oriente. Até os anos 60 este mercado era inteiramente dominado pelo sexo masculino, mesmo as obras voltadas a mulheres eram redigidas e desenhadas somente por homens, na visão daquilo que achavam ser do interesse feminino. Em sua maioria histórias melodramáticas ao estilo sessão da tarde, onde a personagem era sempre vitimizada, maltratada e frágil.

Essa realidade se manteve por um longo período, até o surgimento de Machiko Satonaka a primeira mangaká devidamente reconhecida no meio. Aos dezesseis anos de idade, movida por sua vontade de mudança da visão sobre mulheres nos mangás, Machiko se inscreveu e ganhou um concurso de novos talentos da revista semanal para garotas, a Ribon. Sua criação Pia no Shouzo foi um marco inspirador para as demais mangakás que ganharam espaço no mercado e eventualmente se tornaram brilhantes profissionais da área.


Capa Mangá Pia no Shouzo.

Adiante nos 80 anos, com mais representantes femininas no mercado e o sucesso de vendas, um grupo de meninas estavam prestes a se tornar outro marco nessa história. O grupo CLAMP, formado por  12 estudantes, que produziam mangás independentes e posteriormente originais, conquistou espaço no mercado se tornando um forte estúdio, que ao longo dos anos emplacou sucessos como Sakura Card Captors, Code Geass e ×××HOLiC. Suas vendas já ultrapassam 100 milhões de cópias no mundo. Atualmente o grupo conta com quatro integrantes: Nanase Ohkawa, Mokona, Tsubaki Nekoi e Satsuki Igarashi.

 Grupo CLAMP – Da esquerda para direita: Satsuki Igashi, Tsubaki Neoki, Ageha Ohkawa, Mokona.

As modificações nos mangás após o toque feminino não se deu somente no enredo, mas no traços, nos detalhes, na linearidade das páginas e dinâmica de leitura, que davam ênfase às emoções, atribuindo uma verdadeira alma ao quadrinhos japoneses. Os traços sutis destacam ao mesmo tempo a graciosidade e força feminina, como fatores importantes das personagens.

Este conjunto de acontecimentos marca um período de desenvolvimento daquilo que conhecemos hoje como Shoujo e Josei. Os termos se referem aos mangás voltados para meninas e mulheres adultas. Em geral os enredos envolvem histórias romanceadas, que abordam o cotidiano das mulheres desde os dramas de sua adolescência até a vida adulta. Em alguns casos envolvem enredos que evocam magias, poderes cósmicos e situações cômicas.

Embora as classificações sejam voltadas ao público feminino, o estilo único dessas produções conquistou tantos fãs que podemos dizer que transcende aos limites de gênero, se tornando um estilo único. Temos como exemplo disto as obras como Sakura Card Captors e Sailor Moon, afinal que menino nascido nos anos 90 no Brasil não foi fã desses animes transmitidos na televisão.

Sakura Card Captors

O talento, alma e força dessas mulheres não parou somente aí, para além do Shoujo e Josei, existem mangakás famosas que produziram obras consideradas primas, em demais gêneros como Shonen e Seinen, voltados ao público masculino. Como o aclamado e nostalgico Inuyasha escrito por Rumiko Takahashi, sucesso no Brasil em 2002 e o hegemônico fenômeno mundial Fullmetal, considerado por muitos como o melhor Mangá/Anime já produzido na história pelas mãos da ilustre Hiromu Arakawa. Em 2018 acompanhamos a adaptação em anime do mangá Saint Seiya: Saintia Sho, ilustrado pela mangaká Chimaki Kuori. A história é um spin-off derivado da série Cavaleiros dos Zodíaco, que possui uma legião de fãs nas terras tupiniquins.

Atualmente o espaço e reconhecimento conquistado parece despontar a cada dia. Em 2019 a obra Kimetsu no Yaiba(Demon Slayer), escrita e ilustrada por Koyoharu Gotouge, se tornou o mangá mais vendido do ano, com mais de 9,9 milhões de cópias, desbancando nomes de peso como o então detentor do recorde por 13 anos consecutivos, One Piece e o estrondoso Shingeki no Kyojin(Attack on Titan).

Mangá Kimetsu no Yaiba.

Mangakás mulheres vêm assumindo e inspirando cada vez mais fãs, estas personalidades do meio artístico japonês se destacam não apenas por serem exemplos de força, superação, dedicação e talento, mas pela audácia em ser verdadeiramente si mesmas, levando ao mundo a alma feminina através das breves páginas dos mangás.

Referências Bibliográficas

OI KS. Shôjo Mangá: De Genji Monagatari a Miou Takay. UNESP, São Paulo,2009. Almanaque Shoujo Mangá: O Poder da sedução feminina. Editora Escala. 2009.

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