ENTRE MÁSCARAS E ANIMES

É comum em diversas culturas a utilização de máscaras e trajes em rituais e festivais, uma característica marcante inclusive do povo Japonês. É uma representação simbólica que invoca forças interiores e inconscientes aqueles aos quais os utilizam. Através das vestimentas pode se “receber’’ poderes místicos ou entidades cósmicas em uma espécie de corporificação de alguma força sobrenatural. Os adereços servem, portanto, como uma representação, canalizador, de uma força com personalidade própria.

 
A esquerda grupo de samurais do Japão feudal
A direita foto de Dr.G.I.Jones 1931 da tribo Okanku (Africa)

Poderíamos destacar e atribuir as máscaras, duas principais funções : Ocultar e Projetar. Esconder conteúdos, aspectos que ficam sobrepostos, como por exemplo um rosto. E projetar conteúdos, forças interiores, intenções e representações, individuais e coletivas. Ao utilizarmos uma máscara podemos ser algo diferente de nós mesmos, projetamos através dela a intenção de algo.

A esquerda  samurais do Japão feudal
A direita foto de Dr.G.I.Jones 1931 da tribo Okorosie (Africa)

Embora o número de rituais tenha diminuído consideravelmente com os anos, a capacidade de personificação do ser humano se mantém intacta. Se pararmos para analisar mesmo as vestimentas ainda se mantém. Os trajes ainda são parte importante no papel de personificação de certos atributos, dos quais necessitamos na sociedade. Podemos citar como exemplo, de representação de poder e respeito, o famoso terno e gravata, típico de homens de negócios de grande sucesso, passando um ar de “respeito” e “superioridade’’.

A esquerda índio de origem norte americana
A direita samurai da época do clãs feudais no Japão

Estes “acessórios” são como as armaduras de grandes guerreiros, ao mesmo tempo que protegem nossa personalidade, também impõe aos outros aquilo que desejamos, seja medo, poder, sensualidade. Com a máscara não ocorre diferente, pelo contrário, está talvez seja a parte mais marcante, pois esconde o centro de nosso eu, o rosto, que representa em si, nossa personalidade e individualidade.

A esquerda armadura de Samurai tradicional de guerras
A direita terno e gravata de grandes guerras empresarias de nosso século

Todavia não me refiro somente a objetos, nosso próprio corpo e mente assumem o papel de máscaras ao longo da vida. Esses são mais adaptáveis e versáteis, qualidade que se encontram nos melhores atores. Vamos analisar alguns conceitos de Carl Jung e Sigmund Freud sobre o tema, para melhor esclarecimento.

PROJEÇÃO

Um dos pontos mais interessante sobre a máscara é sua função de projeção, mas afinal o que seria projeção? Segundo Freud, as projeções são como um mecanismo de defesa pelo qual é liberado um conflito emocional presente no inconsciente. Esses conteúdos são dotados de forte carga afetiva, e são capazes de serem exteriorizados, por meio de um objeto que possua relação com o sujeito. Ou seja, ocorre a transferência de um conteúdo interno do sujeito para um objeto externo.

Isso ocorre em tanto em indivíduos neuróticos como os considerados “normais”, pois Freud também ressalta que as projeções, são parte de nossa percepção de mundo, uma vez que nossa atenção está em grande parte direcionada para fora, e não internamente. Devemos ressaltar que a mesma ocorre de modo imperceptível e involuntário, ou seja, a princípio não temos consciência de quando estamos projetando algum conteúdo endopsíquico para o meio externo. A principal diferença entre os pensamentos de Jung e Freud sobre a questão está no fato de que, para Jung o inconsciente é um campo muito mais vasto e complexo. Os conteúdos que emergem da psique não são somente de caráter individual, partidos da experiência do indivíduo, onde no centro de todo complexo afetivo se encontra uma imagem coletiva, um Arquétipo. Esse fator pode elucidar sobre questões das projeções coletivas, que encontramos em rituais antigos. Para abordar melhor a questão do coletivo, seguimos com outro conceito fundamental de Jung. Pois assim como um indivíduo pode projetar seus conteúdos internos em objetos, um grupo pode projetar um conteúdo coletivo em outro ser humano, que nesse caso assume o papel do objeto. Os casos mais comuns são de líderes que se tornam símbolo de um movimento, ou em rituais onde é necessário o sacrifício de sangue humano. Os antigos entendiam que assim, os Deuses os pouparam de sua ira e toda população estaria a salvo, pois o pecado de todos foi excomungado pelo sacrifício. Percebe-se que há uma necessidade de projeção de um conteúdo comum a um coletivo, tal energia psíquica se canaliza e se materializa em torno de um símbolo e após realizada aquela necessidade, o conteúdo parece se extinguir. Projeções em relação a líderes e sacrifícios serão abordadas com maior profundidade em outro artigo, fica aqui somente a questão de conhecimento do tema. Portanto voltemos ao pensamento de Jung que pode esclarecer a questão coletiva.

                      “ O Juízo coletivo nem sempre pode evitar o fenômeno da projeção.” 

  Von Franz – Reflexos da Alma 

PERSONA

A esquerda foto do carnaval Brasileiro
No meio foto do carnaval de Veneza
A direita foto da festas dos mortos no México

 
Persona é o nome dado ao arquétipo da psique que envolve o ego e cria sua “imagem ideal” de ser, através de estruturas que o protegem do meio externo. Persona era o nome dado as máscaras utilizadas pelos atores representavam o papel que iria desempenhar em determinada peça. Portanto a ideia é clara, a Persona é aquela máscara que utilizamos todos os dias, para assumir os mais diversos tipos de papéis: O bom garoto, o pai, o trabalhador, a garota popular. Afinal quantas vezes no dia não somos atores? Fingindo sentimentos, comportamentos para se enquadrar em algum meio, tanto para fins bons como ruins. Máscaras que escondem nosso verdadeiro eu.


[305]”A persona é um complicado sistema de relação entre a consciência individual e a sociedade; é uma espécie de máscara destinada, por um lado, a produzir um determinado efeito sobre os outro e por outro lado ocultar a verdadeira natureza do indivíduo.”

CG.Jung Eu e o Inconsciente

Diversos são os exemplos de Persona nos animes, normalmente representado como vilão da série, pelo seu aspecto sombrio e aparentemente indestrutível. Um dos mais icônico em minha opinião Obito Uchiha, vulgo Madara, vulgo Tobi.

Obito – Personagem Anime Naruto Shippuden

Esse personagem nos apresenta como é o mecanismo da persona. Para manter sua obsessão e fugir de seus verdadeiros sentimentos foi obrigado a assumir o papel de outra pessoa, que representava força e poder necessários, para manter sua estrutura psíquica. Não cito Obito por sua clássica máscara laranja, mas por toda sua trajetória para negar a si mesmo e o seu sofrimento, a máscara é somente um detalhe final frente a todo esforço de sua psique.

Conosco ocorre do mesmo modo, nossas máscaras não são somente as vestimentas, esses são apenas acessórios que servem para afirmar nossa Persona. Esta se encontra em nossa mente, comportamentos, em nosso corpo, nossa fala, olhar, ações. Essa capacidade inata é necessária ao ser humano e parte de seu ser, como dito, também serve como proteção das cobranças externas e irrupções internas da psique . Sua função, entretanto não pode ser confundida com puro cinismo, ou falsidade. Algumas máscaras estão tão enraizadas em nossa personalidade que nem ao menos sabemos que estamos a utilizando. São inconscientes e por vezes assumem vontade própria, assim como as entidades que incorporam os humanos nos rituais primitivos.

A Persona em si, é um aspecto inconsciente e em sua camada mais profunda, coletiva. Os antigos em seus rituais despertavam conteúdos do inconsciente coletivo, Deuses, forças e criaturas cultuadas pelo seu povo. A persona é utilizada com o mesmo fim, invocar algo que lhe falta, ou é necessário a sua personalidade para enfrentar o mundo.

[246] ”Ao analisarmos a persona, dissolvemos a máscara e descobrimos que aparentando ser individual, ela é no fundo coletiva; em outras palavras a persona não passa de uma máscara da psique coletiva. Ela representa um compromisso entre o indivíduo e a sociedade daquilo que alguém parece ser, nome, título, ocupação, isto ou aquilo.” 

 CG.Jung Eu e o Inconsciente

Em uma peça a sempre aqueles papéis dos quais sabemos que serão apresentados: O herói, a donzela, o vilão, o alívio cômico. Papéis que estão registrados em nossa psique coletiva, vividos anos após anos, que permanecem marcados em nosso inconsciente. E despertam toda vez que encontram um conteúdo ao qual possam se associar.

Seja forte! 
Não chore! 
Não se permita! 
Mantenha a Postura!

Couraças de Reich

Assim como vilão se demonstra fraco no final e cheio de medos que o levaram a se tornar o vilão, assim é a persona, uma máscara com aspecto de rocha, entretanto feita de papel machê. Quanto menos consciência tivermos de nossas projeções e máscaras, mas limitamos nosso mundo, em uma eterna ilusão, em outras palavras nossa mente se torna prisão e nossas convicções, nossa punição.

Tsukuyomi Infinito – Jutsu da Ilusão Eterna – Anime Naruto Shippuden

Outro anime excelente que toca fundo na questão é Tokyo Ghoul, se interpretado pelo ponto de vista da Persona, desde o início da série o protagonista se encontra em meio um mar de acontecimentos dos quais não possui controle e o forçam a se tornar algo que detestava. Os Ghouls são a projeção de todo conteúdo mal, sujo, grotesco, ambicioso e sensível da humanidade relacionado aos instintos humanos mais básicos e os sentimentos mais profundos. Os Ghouls no fundo desejam ser compreendidos e ouvidos pelo mundo, aceitos pela sociedade, para que convivam em paz.Tudo o que é negado necessita ser ouvido. Um ser humano ao se tornar um Ghoul encomenda como símbolo de seu sofrimento e solidão uma máscara, que assume papel de sua individualidade e personalidade. Pelo qual fica conhecido, marcado e caçado.

SOMBRA

Por fim, para encerrar o assunto, existe um último aspecto a ser explorado em relação às máscaras e projeções. A sombra possui um papel importante dentro desse universo. Essa teoria de Jung caracteriza a sombra por todo conteúdo interno inconsciente, ao qual por algum motivo, foram represados e reprimidos pelo consciente. Fazem parte da sombra aspectos negativos e positivos de nossa personalidade, traumas, impressões, vontades que não chegaram a ser expressas. São exatamente esses conteúdos inconscientes de forte carga emocional, que são projetados externamente através de objetos e pessoas. Para além de algo oculto e dualista, a sombra representa nossas possibilidades de ser, o vir a ser, que por fatores extremamente complexos e imprevisíveis não se realizaram.

Essas possibilidades embora não tenham se materializado no plano físico, existem no plano mental, são tão vivas quanto nossas ações conscientes, e parte integrante de nosso eu. Parte da busca pelo Si-mesmo tão comentado por Carl Jung, é tomar consciência dessas partes e integra-las a nossa personalidade. Mais uma vez aponto que tudo que é negado deve ser ouvido, quando mais nos conhecemos, mais ampliamos nossa percepção e nos deparamos com os fatores internos que nos comprometem. A vida é a oportunidade de tomar consciência de todo nosso potencial, e ser completos, longe das amarras de nossas ilusões. Portanto, o que você não está enxergando hoje?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Franz, Marie-Louise von, and Erlon J. Paschoal. Reflexos Da Alma: Projeção e Recolhimento Interior Na Psicologia De C.G. Jung. Cultrix, 1997.
Jung, Carl G. O Eu e o Inconsciente. Ed. Vozes, 2000.
Jung, Carl Gustav, et al. Os arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Vozes, 2001.

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