Alquimia, Inconsciente e Full Metal

1,5 kg de óxido de cálcio, 800g de fósforo

No artigo anterior (Clique aqui para ler) vimos um breve contexto sobre Alquimia e suas origens, que remonta a povos antigos como Egito, Grécia e China. Entretanto o apogeu daquilo que conhecemos como Alquimia se dá entre a Idade média e o Período da Renascença. O anime Full Metal Brotherhood trás todas as simbologias principais presentes nos textos e histórias de famosos Alquimista, entre eles *Paracelso. As críticas sociais e a forma como a autora dá vida aos personagens da série, conquistou uma legião de fãs. O tema nos instiga curiosidade pela forma oculta e misteriosa que eram passados os ensinamentos clássicos da Alquimia; a produção de ouro, elixir de vida eterna, poderes sobre os elementos, quem não gostaria de desvendar esses segredos e obter todas essas habilidades? A fórmula do sucesso da obra de Hiromu Arakawai está nos conteúdos profundos que assolam a humanidade desde os primórdios, que são explorados de forma primorosa pela autora. Como dito anteriormente Jung resgata conhecimentos da Alquimia para uma análise da psicologia do ser humano. Nessa sequência do artigo serão explorados todos os principais pontos de Full Metal Brothehood e sua correspondência na Alquimia,com um olhar, é claro, para a psique.

* Paracelso: pseudônimo de Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus Von Hohenheim, cujo significado seria, melhor que celso, ou superior a celso.

A Esquerda Paracelso, a Direita Von Hohenheim (Full Metal).

           O Artigo a seguir contém Spoilers! 
 Fique ATENTO!

I- UNU MUNDUS

Um é tudo, tudo é um.

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Imagem anime Full Metal episódio 12.

Não vejo como começar senão pelo principal conceito que une Jung, Alquimia e Full Metal, a unidade cósmica. Unus Mundus é uma palavra utilizada desde o século XV, atribuída aos alquimistas, seu significado é : Um mundo só, ou, Um só mundo. Tudo parte do UM, a ideia de unidade do universo, onde todos compartilhamos do mesmo organismo é um dos principais conceitos alquímicos. No episódio 12 de Full Metal Brotherhood- Um é tudo e tudo é Um, os Irmãos Elric devem passar por um teste antes de iniciar seus estudos em Alquimia com sua mestra. Ela os obriga a passar um mês em uma ilha deserta, sem poder usar alquimia e ao final, se ainda estivessem vivos,responder a questão, qual significado da frase: Um é tudo e tudo é Um?

No episódio 40 – Homúnculo, esse também parece ser o último aprendizado de Hohenheim antes de ser considerado um alquimista e homem livre. A série como um todo explora o tema da totalidade de diversas formas, ensina que, apenas pelo fato de estarmos vivos necessitamos e estamos conectados a outras inúmeras vidas, das quais muitas vezes são sacrificadas, para que a nossa existência seja mantida, um eterno ciclo de transformação, criação e destruição. Hermes Trismegistos é o primeiro da linha hermética a escrever sobre o princípio das coisas e sua unidade. Em seu texto Tábua Esmeralda é dito:

“Assim como todas as coisas foram e procedem do UM, pela mediação do UM, assim todas as coisas nasceram desta coisa única, por adoção.’’

Para um Alquimista a Filosofia, o *Noûs, o mundo das idéias, não se separa do mundo da matéria, são faces do mesmo ser, as características encontradas nos astros, se encontram em um metal, como o ouro ou prata. As transmutação dos metais são metáforas das mesmas que ocorrem em nossa vida interna e diária, um verdadeiro Alquimista utiliza de suas obras empíricas para compreender os processos, não da química em si, mas da vida. Portanto é de se imaginar a importância desse conceito para um alquimista que busca trabalhar os processos da transformação. Sem compreender primeiramente Unu Mundus é difícil enxergar aquilo que vem a seguir. Devemos perceber que não existe uma definição única de Unu Mundus, pois palavras não podem definir algo que deve ser sentido e percebido, é um conceito empírico e não uma especulação puramente teórica. Os Chineses por exemplo tem como base de sua alquimia a filosofia Taoísta, que surge pela observação da natureza. No livro *Tao Te Ching segue a passagem:

 “ O homem se orienta pela terra A terra se orienta pelo céu O céu se orienta pelo Caminho O caminho se orienta pela sua própria natureza’’.
Para o povo Chinês, essa é uma verdade presente em seu modo de viver, o conceito de unidade e sincronismo das coisas, é vivo em sua cultura, através da culinária, medicina, ética, arte. Há aquilo que eles chamam de Chi (energia) que conecta todos, um bioma dinâmico que envolve tudo que nos rodeia.

    Diagramas Tai Chi, princípio e formação do universo de Zhou e Chen


 *Nôus: Termo grego que não possui tradução para língua portuguesa, mas seria algo como razão, intelecto, mente.
 *Tao Te Ching: Livro escrito pelo Filósofo Chinês Lao Tse, uma das bases da corrente de pensamento Taoista.

Jung pega emprestado o termo com a mesma conotação de unidade, para exemplificar a relação interdependente entre as estruturas da psique, inconsciente e consciente, bem como a sua relação de sincronicidade com o meio externo. Para ele deveria de haver alguma explicação, um fato psíquico, para casos que definimos como aparente coincidência, ou segundo ele, uma coincidência significativa, fatos que têm algum significado para seu observador. Outro fator abordado que se aplica ao conceito de Unu Mundus é a relação homem/objeto. O Homo sapiens se destaca perante as demais espécies pela sua capacidade imaginativa, sua habilidade para dar significado a objetos e acontecimentos, que não existem de fato. Jung acredita que o papel do ser humano no universo é dar objetividade as coisas, ele cria, participa ativamente da criação de seu próprio mundo. Os objetos ganham relação simbólica e são capazes de ativar conteúdos inconscientes do ser humano, eis a importância do símbolo, este é o intermediário entre inconsciente e consciente, pois habita entre os dois mundos e os une. Não é preciso dizer aqui sobre a importância dos símbolos para a Alquimia, entretanto vale destacar que existe uma diferença essencial entre símbolo e sinal. (leia nosso artigo especifico sobre esse tema, clique aqui!)

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Símbolos Alquímicos
Um sinal tem um significado específico e único, por exemplo: sinais de trânsito, ou o sinal da tabela periódica para mercúrio (Hg) , seu significado é, senão aquilo que é, uma placa de pare significa pare, e Hg na tabela significa mercúrio, não a nada além. Ele é pré determinado para ser uma linguagem comum a todos. O símbolo por outro lado não possui o mesmo significado para todas as pessoas, e tão pouco tem um conceito único, ele pode querer dizer muitas coisas e ao mesmo tempo nada, pode ativar os demônios do inconsciente ou os anjos de Deus no homem. Existem muitos sinais na Alquimia, entretanto os alquimistas tem uma relação simbólica e exploram conceitos para além de uma definição pois eles vivem, experimentam, sentem o símbolo. Estes são capazes de ativar conteúdos do inconsciente coletivo, que são projetados no objeto correspondente. Objeto, realidade, subjetividade, percepção fazem parte do um, o alquimista é participante ativo de sua própria realidade, ele a transforma, transmuta, não apenas os metais, mas os processos de sua psique.

A seguinte frase de um alquimista exemplifica a projeção dos conteúdos inconscientes em objetos materiais e a importância dessa ligação para o conhecimento da verdade alquímica.
 
“ Eu considero instruído na verdadeira ciência aquele que, depois da palavra de Deus e dos mistérios da salvação de sua alma, aprendeu a bem conhecer, por bons princípios e fundamentos bem razoáveis, a natureza das coisas subliminares que estão contidas nos minerais, nos vegetais e nos animais, isso a fim de que a luz de um verdadeiro e sólido conhecimento dissipe e faça desaparecer a escuridão da ignorância e que possamos distinguir o bom do mau, ou bem do Mal.’’
Basilius Valentinus- Monge Alquimista do séc XV.
Toda matéria contém vida…
Unu Mundus

 
 
Imagens da Alquimia – The Beinecke Library
 
Na próxima postagem iremos analisar o ser mais intrigante da historia da Alquimia e do anime Full Metal, os Homunculus. Para acesso CLIQUE AQUI!

REFERÊNCIAS

Arakawa, Hiromu. Fullmetal Alchemist. Viz, 2005.
Hermes. Corpus Hermeticum: Discurso De Iniciaça̧o:a Tábua De Esmeralda. Hemus.
Jung, Carl Gustav. Estudos alquímicos. Vozes, 2002.
Jung, Carl Gustav., et al. Psicologia e Alquimia. Vozes, 1991.
Legge, James, et al. The Tao Te Ching. Ch’eng-Wen, 1969.
 

 

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